No dia 29 de março de 2007, o Ministro da Saúde, José Gomes Temporão, assim declarou à “Folha de São Paulo” (clique aqui):
“Existe uma ferida aberta na sociedade brasileira. São milhares de mulheres que morrem todos os anos por fazerem abortos em situações inseguras. É um problema de saúde pública. Como meu objeto de trabalho é a saúde do povo, com certeza essa questão me interessa. Mas o que eu acho mais saudável é que a gente abra essa discussão, para que a sociedade opine e o país possa encaminhar uma solução adequada“
Na verdade, senhor Ministro, a ferida aberta na sociedade brasileira tem outra causa: as inúmeras mentiras de tantos homens investidos de cargos públicos. Falar em “milhares” de mortes anuais devidas a abortos é uma mentira deslavada e nem mesmo qualquer liberdade retórica pode servir de desculpa.
Pior ainda: o ministro mentiu consciente de sua mentira. Os dados disponíveis no DATASUS, indicam que as mortes por aborto provocado no Brasil nos anos de 2002 a 2005, foram, respectivamente 7, 6, 11, 22. Já que o ministro usa a quantificação de mortes como forma de alavancar sua agenda, talvez ele pudesse explicar qual matemática utiliza para que os números, que na média ficam apenas em pouco mais de uma dezena, tornem-se milhares em suas declarações.
Na verdade, as declarações do ministro passam longe de erro: trata-se de um método. O método em questão, esta prática de inflar números quando o assunto é aborto, foi utilizado em inúmeros países onde este crime hediondo foi liberado. No Brasil, este método vem sendo posto em prática com maestria sem par.
Quem já não ouviu um ministro dando declarações de que o número de abortos no Brasil bate na casa de 1,5 milhão? Quem nunca leu um jornalista escrever exatamente este mesmo número? Quem jamais viu uma “feminista” bradando este número enquanto queima um sutien? Mas qual a fonte destes números? De onde vem este valor expressivo? Se tais pessoas querem que a questão do aborto seja uma questão de números – evitando, maliciosamente, o espinhoso caminho de ter que justificar a eliminação de uma vida, pois é isto que o aborto é, eles bem o sabem -, se eles fazem mesmo questão de seguir pelo caminho quantitativo mesmo quando o que está em jogo são vidas humanas, por que não trazem os números corretos?
Note-se que os membros do governo Lula conhecem muito bem os números do DATASUS. A Ministra Nilcéia Freire e sua equipe em resposta ao CEDAW (Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women – Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, um braço da ONU que acha que negar o “direito” de matar fetos é uma forma de discriminação contra as mulheres) declarou: “Entre 2002 e 2004 houve 115, 152 e 156 mortes provocadas por abortos, o que faz o aborto a quarta causa de mortalidade materna no Brasil”. A declaração da ministra bate com os dados do DATASUS, mas, curiosamente, ela esqueceu de desagregá-los. Tivesse feito isto, ela poderia declarar que as mortes por aborto provocado nos anos referidos foram 7, 6 e 11. O que a ministra fez foi juntar todos os números de mortes por aborto no período, sejam eles abortos espontâneos, abortos por gravidez ectópica ou outros.
Para quem está interessado em discutir o aborto apenas como um problema de saúde pública, que é como este governo e todos os que lhe dão razão pretendem desqualificar os discursos contrários, é no mínimo curioso como os números ou são fantasiosos, no caso do Ministro Temporão, ou são extremamente agregados até o ponto em que sirvam apenas para reforçar a luta pela liberação do aborto, como no caso da Ministra Nilcéia Freire.
Mas parece que a mágica matemática do Ministro Temporão só funciona para aumentar. Em notícia veiculada no jornal “O Estado de São Paulo” (clique aqui), o Ministro reconheceu que o país passa por uma epidemia de Dengue. Apenas este ano, segundo a reportagem, ocorreram 121 mortes em virtude da doença. Notemos que no caso da Dengue não temos que nos debater com argumentos jurídicos, demográficos, religiosos ou filosóficos. Nada disto se aplica; as mortes por Dengue tem apenas um aspecto, aspecto este tão ao gosto do ministro e da ministra: é realmente um problema de saúde pública. E só! Neste caso, o mago dos números não conseguiu baixar a contagem de mortes.
Digamos assim, se o ministro em vez de perder tempo dando entrevistas sobre aborto o tivesse utilizado para matar mosquitos, este tempo teria sido bem melhor utilizado e ele teria a certeza de que o problema diz respeito apenas à alçada de seu ministério. Já que seu “objeto de trabalho é a saúde do povo”, como ele declarou à “Folha de São Paulo”, é bom que ele saiba que o povo está morrendo de Dengue. Mas, pelo jeito, para o ministro e para o governo Lula, alguns problemas de saúde pública são mais interessantes que outros.
Um conselho para o ministro: deixe as crianças no ventre de suas mães e vá matar mosquitos.