A revista “Veja” desta semana trouxe como matéria principal uma reportagem sobre o aborto. Desnecessário que se cobre isenção de “Veja” nesta questão, pois, como fica claro sempre que este veículo aborda a questão — assim como a esmagadora maioria da mídia brasileira –, “Veja” tem lado: o lado dos abortistas.
Porém, nada nos impede de mostrar o que “Veja” curiosamente omitiu ou distorceu, provavelmente por má-fé.
Os números do aborto
“Veja” assume o número de 1 milhão de abortos por ano feitos clandestinamente no Brasil. Faltou “Veja” indicar a fonte de tais afirmações, pois até hoje não houve ninguém que provasse de onde vêm tais números. Se “Veja” se baseia no que vem do Ministério da Saúde, sugiro que “Veja” ache fonte melhor, pois o que de lá vem ou é distorcido ou é fantasioso.
Na verdade, os números de “Veja” até mesmo parecem modestos quando comparados aos que o próprio Ministério da Saúde anda divulgando. No dia 22 de março de 2005, no lançamento da “Política Nacional de Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos”, eis o que era divulgado pelo Ministério da Saúde:
“Segundo estimativa da OMS, no Brasil, 31% das gravidezes terminam em abortamento. Todos os anos ocorrem, de acordo com as estimativas, cerca de 1,4 milhão de abortamentos espontâneos e/ou inseguros, com uma taxa de 3,7 abortos para 100 mulheres de 15 a 49 anos.”
O dado só não é mais impressionante porque trata-se de uma fantasia. A OMS jamais fez um estudo que sequer possa estimar o número de abortos clandestinos no Brasil. “Veja”, pelo jeito ciente da mentira divulgada pelo Ministério da Saúde, inventou outra, com “apenas” 400.000 abortos a menos. Bem, talvez a revista não tenha inventado a mentira, mas dado voz aos “especialistas” que aparecem na reportagem. Sobre estes isentos profissionais falarei mais tarde.
De qualquer forma, “Veja” poderia escolher fazer um trabalho de melhor qualidade e checar um pouco os dados ou aqueles que lhos forneceram. Com pouco esforço, “Veja” poderia saber que a flexibilização para cima dos dados sobre o aborto é uma velha e batida tática de grupos abortistas.
O Dr. Bernard Nathanson, que foi uma das principais lideranças abortistas nos EUA, responsável direto ou pela supervisão de 75.000 abortos, e que se arrependeu e passou a militante Pró-Vida, deu depoimento sobre as táticas utilizadas por grupos pró-aborto para distorcer a verdade e mudar a opinião da população sobre a prática hedionda do aborto. Eis o que Dr. Nathanson denunciou:
“Nós afirmamos que entre cinco e dez mil mulheres morriam por ano por causa de aborto mal-feito. (…) O número verdadeiro estava mais próximo de duzentas a trezentas mulheres; nós também afirmamos que eram feitos um milhão de abortos ilegais por ano nos Estados Unidos e o número verdadeiro era próximo dos duzentos mil. Assim, somos culpados de uma fraude maciça.” (original aqui)
Os grupos abortistas da época quando Dr. Nathanson militava em suas hostes e os atuais grupos abortistas têm uma coisa em comum: ambos fantasiam os dados que lhes são convenientes. O mesmo pode-se dizer da imprensa, pois continuam conscientemente divulgando dados que carecem de fundamento.
Mas “Veja” vai mais longe quando deseja divulgar dados quantitativos fictícios sobre o aborto. Em determinado trecho da reportagem podemos ler:
“As complicações decorrentes de abortos malfeitos, sem condições de higiene ou segurança, representam a quarta causa de morte materna, atingindo cerca de 200 mulheres.”
Esta afirmação de “Veja”, segue as afirmações do próprio Governo Lula. Para ilustrar isto, repito aqui trecho de um post que publiquei no dia 18/10/2007.
“Note-se que os membros do governo Lula conhecem muito bem os números do DATASUS. A Ministra Nilcéia Freire e sua equipe em resposta ao CEDAW (Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women – Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, um braço da ONU que acha que negar o “direito” de matar fetos é uma forma de discriminação contra as mulheres) declarou: “Entre 2002 e 2004 houve 115, 152 e 156 mortes provocadas por abortos, o que faz o aborto a quarta causa de mortalidade materna no Brasil”. A declaração da ministra bate com os dados do DATASUS, mas, curiosamente, ela esqueceu de desagregá-los. Tivesse feito isto, ela poderia declarar que as mortes por aborto provocado nos anos referidos foram 7, 6 e 11. O que a ministra fez foi juntar todos os números de mortes por aborto no período, sejam eles abortos espontâneos, abortos por gravidez ectópica ou outros.”
Curiosamente, “Veja”, que é tão rigorosa — como deve ser! — em suas críticas ao Governo Lula, o governo que mais alavancou a agenda abortista no Brasil, repetiu o mesmíssimo erro de uma ministra do governo petista. Bem… “erro” é apenas uma figura de linguagem, pois os dados do DATASUS estão disponíveis para quem quiser consultá-los e beira a ficção pensarmos que membros do governo ou jornalistas da revista de maior circulação nacional não saibam diferenciar um aborto por demanda de um aborto espontâneo.
Mas “Veja”, insaciável, não pára por aí. Não satisfeita em distorcer a realidade atual, pretendeu também, qual um Stálin do mundo editorial, retocar o passado. Eis mais um trecho da reportagem:
“O cenário foi bem pior em um passado não muito distante. Na década de 80, os abortos clandestinos podem ter chegado a 4 milhões por ano.”
Mais uma vez, qual a fonte dos dados de “Veja”? Ninguém sabe… Mas o que sabemos é que “Veja” faz o que outros já tentaram fazer. Veja-se o que o Jornal do Brasil tentou fazer em 1990, segundo consta no site do Pró-Vida de Anápolis
” Em 1990, o Jornal do Brasil dizia que a mesma ONU havia estimado que o Brasil era recordista mundial de abortos, com uma taxa anual de 3 milhões:
“Estatísticas da Organização Mundial de Saúde (OMS), apresentadas em seu último relatório em Genebra, na Suíca, apontam o Brasil como recordista mundial de abortos. O número de interrupções de gravidez no país é maior do que a taxa de anual de nascimentos. Os dados mostram mais de três milhões de abortos anuais contra apenas 2.779.255 registros de nascimentos em 1988” (NÚMERO DE ABORTOS SUPERA O DE NASCIMENTOS NO BRASIL. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 12 abr. 1990, p. 7.).
Pois é… “Veja” conseguiu o milagre da multiplicação dos abortos. Se o JB no início dos anos 90 do século passado falava em 3 milhões de abortos, a “Veja” não teve dúvidas e acrescentou 1 milhão à conta.
E mais: segundo a “Veja” há um fenômeno em que o número de abortos é inversamente proporcional ao número de habitantes. Funciona assim, sempre segundo a “Veja”: atualmente o número de abortos é de 1 milhão; já o número nos anos 80 do século passado era de assustadores 4 milhões! Em 1980, a população do Brasil era de 120 milhões; atualmente, é de 190 milhões. Ou seja, quanto menos habitantes tem o Brasil, mais abortos são feitos. Para este verdadeiro absurdo, a revista tem justificativa: segundo ela, os motivos foram a maior eficiência de métodos anti-concepcionais e também a ampla divulgação de planejamento familiar.
É bem difícil alguém comprar o que a “Veja” quer vender…
O fato é que mesmo os números fantasiosos do JB do início dos anos 90 já haviam sido desmascarados. Ainda segundo o site Pró-Vida de Anápolis, podemos ler o seguinte trecho:
“Em 1993, a Dra. Zilda Arns Neumann, coordenadora da Pastoral da Criança, assustada com a quantidade de abortos que se diziam praticar no Brasil “segundo pesquisas da ONU”, foi consultar a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS, repartição regional da OMS) e recebeu por fax a seguinte resposta em 11/03/1993:
1. A Organização Mundial de Saúde e a Organização Pan-Americana de Saúde não auspiciaram, financiaram nem realizaram qualquer estudo ou investigação sobre abortos no Brasil.
2. Tampouco temos conhecimento de algum estudo ou investigação que tenha sido feito com bases cientificamente sólidas e cujos resultados possam extrapolar-se confiavelmente para todo o país.
3. Em algumas publicações oficiais da OMS ou da OPAS, publicam-se informações de fontes nacionais, também oficiais. Porém, neste caso não temos conhecimento de se haver feito com informação referente ao Brasil e de âmbito nacional.
4. Faz três ou quatro anos, um professor brasileiro fez uma publicação jornalística com dados sobre abortos, assinalando que era uma informação da Organização Mundial de Saúde. Nessa oportunidade nossa Representação enviou uma nota esclarecedora, no sentido do exposto nos pontos anteriores […].
5. Lamentavelmente, não é a primeira vez que, levianamente, se toma o nome da Organização Mundial de Saúde e/ou da Organização Pan-Americana de Saúde para dar informações que não emanam dessas instituições.”
Pelo jeito, não é também a última vez em que dados sobre o aborto são levianamente divulgados como se realidade fossem.
Os Especialistas
“Veja”, na falta de fontes para os dados que divulga, coloca em suas páginas depoimentos de especialistas. Talvez creiam os desavisados que os doutores Aníbal Faúndes e Thomaz Gollop sejam pessoas totalmente isentas, já que ambos são ginecologistas ligados a universidades altamente reconhecidas.
Não, não são. Ambos fazem parte da tropa de choque acadêmica que tenta flexibilizar a criminalização do aborto no Brasil.
Dr. Aníbal Faúndes, por exemplo, admite que fez abortos de fetos anencéfalos sem qualquer amparo legal:
“Questionado pela jornalista sobre abortos de fetos anencéfalos, não previstos em lei, Faúndes admitiu o procedimento, mesmo que na época ainda não se buscasse o amparo judicial.” (original aqui)
“Veja” bem que poderia colocar divulgar este dado sobre o Dr. Faúndes, mas entendemos que tenha evitado fazê-lo: ajuda na farsa de isenção.
Já o isento Dr. Thomaz Gollop, que a revista “Veja” apenas classifica como ginecologista e professor da USP, foi um dos 18 componentes da Comissão Tripartite, encarregada pelo Governo Federal para elaborar proposta para revisão da legislação punitiva do aborto.
Dr. Gollop tem um blog, no qual, em um determinado post podemos ler:
“(…) Lei Brasileira é ineficaz: ela proíbe o aborto mas mesmo assim mais de 1 milhão de abortos são realizados no País todos os anos e ele representa a 4ª causa de morte materna no Brasil.”
Bingo! Vem daí a fonte para os dados de “Veja”.
Mas Dr. Gollop, isento como ele só, nem mesmo faz questão de manter coerência em seu discurso. No post seguinte, podemos ler isto:
“(…) Isto se traduz na terceira causa de morte materna, grave problema de saúde pública.”
É no mínimo curioso que um especialista fale — erroneamente! — do aborto provocado como 4a. causa de morte materna, e, no post seguinte, ele mesmo se contradiga. E o mais irônico é que Dr. Gollop, neste post, demonstrava os erros de uma matéria sobre o aborto veiculada na revista “Isto É”.
Pois é… Dr. Thomaz Gollop é ótimo para enxergar o erro dos outros, mas não consegue nem escrever post seguidos com a mesma informação, mesmo que esta informação esteja errada.
E é nestes especialistas que a “Veja” fundamenta seus dados? Faz sentido…