Lilia, uma equatoriana de 30 anos que hoje vive em Madri, conversou com o noticiário espanhol Actuall e compartilhou seu testemunho.
Quando tinha 19 anos, Lilia descobriu que estava grávida; por causa disso o namorado a deixou e a mãe lhe virou as costas. Sozinha, ela acreditou que o melhor era abortar o bebê.
Contudo, essa não foi uma escolha sem consequências.
Imediatamente após o aborto provocado, Lilia foi tomada por uma profunda tristeza.
Na época, ela estava confusa e não sabia como lidar com essa dor. Por um longo tempo ela se sentiu como em um beco sem saída… mas hoje ela superou; e ao falar sobre sua trajetória, ela acredita que ter enfrentado os problemas para deixar o filho nascer teria sido a escolha certa: a escolha que a teria poupado de uma dura queda.
O que te levou a tomar a decisão de abortar?
Eu tinha 19 anos. Nunca havia pensado no que faria se isso me acontecesse. Nesse momento, estava trabalhando e estudando, vivia sozinha e, para mim, estar grávida era um problema. Ademais, meu parceiro me deixou quando soube.
Decidi que a melhor saída seria abortar, mas não estava totalmente segura, eu queria me livrar do problema. Então fui buscar apoio na minha família, mas a minha mãe também me rejeitou.
Ou seja: o teu parceiro te abandonou, tua mãe te abandonou… você não tinha em quem se apoiar.
Isso me empurrou para abortar e a procurar clínicas. Entrei em contato com uma doutora e ela nunca me explicou sobre as consequências do aborto. Apenas me informou os tipos de aborto que existem.
Também me avisou que se acontecesse algo comigo [o aborto é ilegal no Equador] para eu não dizer nem o seu nome e nem onde era a clínica onde me haviam feito a intervenção.
Ela não se importava com o seu problema.
A médica se preocupava só com isso [que eu não dissesse o seu nome] e que eu lhe pagasse.
Você estava realmente consciente do que estava fazendo?
Não completamente, porém sabia que estar grávida era um problema para estar com meu namorado, para ter o apoio da minha família, para o meu futuro, já que eu queria continuar estudando e trabalhando…
A doutora fez o aborto, porém nunca me disse “existe uma fundação que pode te ajudar” ou “não tome essa decisão”. Só me disse “esse é o aborto que posso fazer para que você não tenha sequelas”.
E houve sequelas?
Eu estava no quarto mês quando abortei. Desde o primeiro instante comecei a ter sintomas. Quando saí da clínica senti um vazio dentro de mim. Comecei a sentir coisas estranhas: tristeza, vazio, precisava de carinho, de apoio, um abraço…
Porém a pessoa que me havia acompanhado na intervenção me disse “é o que você decidiu”. Ninguém entendia o que eu estava passando por dentro.
Ninguém te falou sobre as consequências? A Síndrome Pós-Aborto?
A doutora nunca me deu qualquer informação sobre o pós-aborto.
Eu via uma mulher grávida ou escutava um bebê chorar e sentia coisas dentro de mim! E não podia pedir ajuda para ninguém porque não iria sair por aí dizendo “eu abortei”.
Uma vez comentei com uma pessoa e ela me disse “Deus vai te castigar”. As pessoas te julgam por isso. Acredito que a maioria das pessoas que passa por isso se cala.
Por outro lado, pedi ajuda a uma psicóloga e ela me disse que “se ter um filho era um problema, então você fez bem”; mas isso te deixa ainda mais confusa.
Com o passar do tempo, notava que sentia coisas cada vez mais piores, sentia um vazio que não sabia como encher.
Encheu com álcool… para esquecer?
Então comecei a beber para ser um pouco feliz. Também tinha necessidades sexuais e me saciava com qualquer homem que me dissesse coisas bonitas.
E você conseguiu esquecer?
Passaram anos até que me dei conta de que fiz mal em abortar e de que eu havia matado alguém. Aos 21 anos decidi vir para Espanha. O meu país me lembrava do ambiente da minha gravidez e do aborto, por isso tomei a decisão de vir para um país onde tudo seria novo para mim. Vi como uma saída de escape.
Porém, o vazio veio comigo. Nesse momento, clamei a Deus, decidi mudar minha vida e a deixar a bebida.
Por que clamou a Deus? Como foi essa aproximação?
Um dia o rádio estava ligado e escutei a doutora Susana Macias – da associação AesVida, que ajuda mulheres que vão abortar ou que já abortaram. Ela falava sobre o retiro “Vida em abundancia” onde se oferece ajuda a mulheres com a Síndrome Pós-Aborto.
Para mim, “sintomas pós-aborto” era uma palavra nova; porém todas as sensações que a doutora descrevia eram as que eu tinha passado anos sentindo!
Um spot publicitário dizia “nós podemos nos perdoar”. Foi aí que realmente me dei conta de que eu havia matado alguém.
E por que você decidiu ir ao retiro?
O retiro “Vida em abundancia” dizia claramente que seríamos restauradas, que perdoaríamos a nós mesmas e que seríamos transformadas. Eis aí a minha curiosidade: saber como eu poderia perdoar a mim mesma.
Entrei em contato com Susana e fui ao retiro, apesar de ser uma decisão bastante dura, porque teria que dizer abertamente que tinha abortado.
Em que consistia o retiro?
Fomos a Toledo e ali nos explicaram os sintomas pós-aborto.
Havia uma lista muito grande de tudo o que eu tinha: sintomas de suicídio, álcool, sensações estranhas ao ver crianças e mulheres grávidas, tristeza, vazio…
Era exatamente o que acontecia comigo!
Nesse momento entendi e compreendi tudo.
Estivemos de luto por cada bebê abortado e enterramos os nossos filhos.
Eu me perdoei, pude entender os sintomas de tudo o que eu tinha vivido por anos e pude mudar a minha forma de pensar e ser livre.
E você realmente se sentiu perdoada?
Quando voltei de Toledo, comecei a ver Madri como uma cidade diferente. Me sentia tranquila, como se tivesse deixado para trás uma mochila que levava nas costas.
Então comecei a estudar para ser cabelereira e comecei a ajudar, no AesVida, a outras mulheres com o mesmo problema que eu tive.
Como você pediu perdão a Deus? Você se confessou?
Sou cristã evangélica. Quando abortei eu não conhecia ainda o Senhor. Vivia a minha vida louca. Quando cheguei à Espanha e comecei a me cansar dessa vida, da dor e do sofrimento, foi quando tive a necessidade de buscar uma direção.
Minha mãe sempre me ensinou a pedir a Deus, e foi por aí que comecei esse caminho. Me arrependi e pedi perdão. Ao pedir perdão, você consegue entender e compreender.
No momento em que me arrependi, Deus me perdoou. A única coisa que me faltava era perdoar a mim mesma. E isso eu consegui mudando a minha forma de pensar e o meu estilo de vida.
É mais difícil ser perdoada por si mesma do que por Deus?
Sim, porque no momento que você se arrepende, Deus te perdoa. O difícil é perdoar a si mesma.
O exemplo de alguma outra mulher que tenha superado a síndrome pós-aborto te ajudou?
Sim. No retiro eu acreditava que a minha história era a pior, porém quando você compartilha com outras pessoas a sua experiência, você se dá conta que há testemunhos que são fortíssimos e impactantes. E você vê que não está sozinha.
Que ajuda se oferece na associação? Qual o trabalho que se realiza aí?
Temos um departamento onde organizamos os retiros “Vida em abundancia” para ajudar as mulheres que abortaram, e também há uma área de resgate, para convencer mulheres que vão abortar.
Quando sabemos que uma mulher quer abortar, nós falamos com ela, a orientamos e informamos do AesVida e quais são as ajudas que podemos oferecer se ela não tem recursos.
Como você convence essas mulheres para que não abortem?
Dando o meu testemunho. Não quero que elas passem pelo mesmo que eu passei. Conto para elas do pós-aborto, do vazio que [o aborto] me deixou e da vida pela qual entrei por causa disso. Muitas vezes conseguimos salvar os bebês.
E quando o namorado exige que a mulher aborte?
Possivelmente o casal está assustado porque algo que não estava nos planos deles aconteceu. Por isso, no AesVida nos direcionamos muito às mulheres pressionadas pelos namorados.
O que fazemos é cuidar dessa mulher, damos nossos testemunhos e a ajudamos a pensar. Ao final, a mãe decide ter o bebê e termina convencendo o parceiro.
Você se conformaria com uma lei que despenalizasse o aborto nos três casos: gravidez por estupro, perigo de saúde para mãe e problemas com o feto? Ou você é partidária do “aborto zero”?
Aborto zero.
Finalmente: você se sente perdoada pelo seu filho?
Sim, os não-nascidos são inocentes. No momento que me arrependi, pedi perdão a Deus e ao meu filho.
Você já falou com ele alguma vez?
Curiosamente, na noite antes de ir ao retiro sonhei que ele estava num lençol branco e me estendia a mão.