Infanticídio indígena: tá tudo bem em flechar as crianças?

“O infanticídio, para nós, é crime se houver morte. O aborto, talvez, seja mais próximo dessa prática dos índios, já que essa não mata um ser humano, mas sim, interdita a constituição do ser humano.”

Não, a fala que vai acima não é de alguma feminista/abortista radical que tenha dado um salto qualitativo mais para o fundo poço. Esta fala indica que há algo de muito podre no eixo CNBB-Pastorais, indica que se os senhores bispos não tomarem a frente do que acontece nestas pastorais e de quem “colabora” por lá o mau cheiro tende a se espalhar cada vez mais.

A fala acima é de Saulo Feitosa, em declaração a uma reportagem divulgada pelo site Amazonia.org.br. O detalhe, o detalhe sórdido, é que Saulo tem o cargo de Secretário-Adjunto do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), entidade ligada à CNBB. Que surpresa!

A fala de Saulo Feitosa é de virar o estômago, mesmo para quem lida com o tema aborto. Ele consegue, em um piscar de olhos, em um curto parágrafo, relativizar o aborto e o infanticídio.

“Infanticídio, para nós, é crime se houver morte”. Nós quem, pseudo-pele-vermelha? Quem mais dá apoio a esta asneira de proporções monumentais? O CIMI? A CNBB? Faltou o secretário-adjunto exemplificar um infanticídio em que não haja morte…

Aliás, o que é a morte para Saulo Feitosa, do CIMI? Pela sua fala, uma mãe indígena pode dar à luz um filho e matá-lo em seguida que tudo está bem, certo? Afinal, ainda segundo o pensamento de Saulo expresso em sua declaração, este ato nem sequer caracteriza uma morte. É mais ou menos assim: dar cabo de um indiozinho ou uma indiazinha após seu nascimento porque nasceram com um lábio leporino não é infanticídio, pois isto nem mesmo seria uma morte.

Deu para entender? Não, não deu. Mas Saulo, o pseudo-pele-vermelha, o bom amigo dos índios, explica mais: “O aborto, talvez, seja mais próximo dessa prática dos índios, já que essa não mata um ser humano, mas sim, interdita a constituição do ser humano”.

Certo, Saulo. Então o que nós, ocidentais, chamamos de infanticídio você, ou vocês — sejam quem sejam –, chamam de uma coisa como que um aborto? Ué? Mas um aborto não mata um ser humano? Segundo Saulo, não.

O colaborador do CIMI declara que o que vai no ventre das mães, sejam ou não índias, não é na verdade um ser humano, mas sim um ser que está em processo de constituição de sua humanidade. Confuso? Que nada… É só ir aprender Antropologia que estes pensamentos começam a fazer sentido.

O pensamento saulino equipara o infanticídio indígena ao aborto dos “brancos” não para deixar mais claro ainda o horror do aborto, mas para relativizar o crime abominável do infanticídio, pois, segundo ele, o infanticídio “não mata um ser humano”.

E é gente com tal pensamento que atinge o cargo de Secretário-Adjunto no CIMI? Não é à tôa que o número de índios vêm diminuindo no Brasil…

Mas Saulo não está sozinho, claro… A mesma matéria traz a declaração de uma antropóloga sobre o mesmo tema:

“Para a antropóloga que elaborou um estudo sobre o tema, Marianna Holanda, o que está em jogo quando se trata o infanticídio praticado pelos índios não é só o conflito entre culturas, mas sim, o direito reprodutivo da mulher indígena.

“Não há entre eles [os índios] alguém que obrigue outra pessoa a matar, principalmente um filho. Essas afirmações são absurdas e violentam a imagem dos povos indígenas como um todo. O que existe são mães que, por algum ou vários motivos, não desejam, não querem ou não podem ter um filho em determinados momentos. Isto não é específico aos povos indígenas”.”

Eis aí… Isto é puro discurso abortista. O que está em jogo, segundo a antropóloga, é, na verdade, o “direito reprodutivo da mulher indígena”. Um direito que já até passa do “direito” ao aborto e chega ao absurdo do infanticídio, mas sem, claro, chamar a ambos de mortes.

Mas este afiado discurso abortista da antropóloga encontra contraponto na fala de Márcia Suzuki, presidente do conselho deliberativo da ONG ATINI, entidade criada exatamente para acolher os índigenas que não concordam a prática do infanticídio ainda presente em suas comunidades. Eis o que ela falou:

“Percebemos que muitos indígenas gostariam de seguir um caminho diferente, mas não encontram apoio para isso. Matar seu próprio filho não é natural nem fácil para ninguém, independente de sua origem étnica. Nenhuma mãe vai insistir que quer matar alegando que isso é parte da cultura. Esse discurso pertence a certos antropólogos, e não aos índios.” [negrito meu]

Mas a antropóloga, a que fala pelos antropólogos e não pelos índios, segue com seu discurso, agora concordando com a teoria sauliana da não-morte:

“Uma criança indígena quando nasce não é uma pessoa. Ela passará por um longo processo de pessoalização, no qual as relações que for estabelecendo serão fundamentais para que adquira um nome e, assim, o status de ‘pessoa’. Portanto, os raríssimos casos de neonatos que não são inseridos na vida social da comunidade não podem ser descritos e tratados como uma morte, pois não é. Infanticídio, então, nunca.” [grifo meu]

Mais discurso abortista… Esta tentativa de fazer da “pessoalização” o marco segundo o qual é conferido a um ser humano sua validade perante a sociedade é criação tipicamente abortista, pois ao ficar claro até cientificamente que o fruto da concepção é já um ser humano, os abortistas tentaram o truque de que o aborto é válido enquanto o ser humano ainda no ventre de sua mãe “não se torna uma pessoa”, o que aconteceria apenas no nascimento.

Mas podemos ver que esta construção abortista, esta peça de ficção que se arrebenta em contato com a realidade, perde já para as construções dos antropólogos brasileiros. Somos, afinal, vanguarda!

Mas um índio da etnia Ticuna, Eli Ticuna, que também atua na ONG ATINI, dá uma lambada nos saberes saulinos e assemelhados:

“Tem segmentos que defendem o relativismo cultural de forma radical, sem pensar nas mudanças que a sociedade tem. O indígena tem que ter consciência da sua importância, mas também conhecer a cultura externa, mantendo o que na sua cultura é bom, e substituindo o que não é bom.”

Pois é… Há aqueles que acham que o infanticídio nem mesmo é morte… E há os que, como Eli Ticuna, sabem muito bem o que é bom e o que não é bom.

Saulo, Saulo! Até quando vais manter orgulhosamente as escamas em teus olhos?

Que nada! Saulo, o pseudo-pele-vermelha, aquele que é mais índio que Eli Ticuna, sabe mesmo das coisas. E compartilha o seu saber através de “causos” que ele presenciou na mata.

“Ele conta que, em 1980, nasceu numa comunidade indígena do Mato Grosso, o primeiro índio com lábio leporino. O problema foi considerado feitiço pelos indígenas do local. O Cimi, então, dialogou com a população, explicando que “o pajé da cultura branca, o médico, poderia curar a criança”. A comunidade aceitou, e o recém-nascido foi operado e mantido vivo.”Não é tão simples assim, mas se deve agir dessa maneira, de forma respeitosa. O estranho é as ONGs elegerem o tema como prioridade no trabalho com os índios. Não admitimos esse tipo de intromissão”, opina.”

Faltou Saulo explicar como iria dialogar para livrar o indiozinho se ele tivesse nascido sem uma perna. Não ia ter “pajé da cultura branca” que desse jeito, né? O que será que Saulo faria? Não tenho a menor idéia… Mas se aparecesse uma ONG por lá querendo livrar o indiozinho da morte cruel, provavelmente ele dissesse: “Não admitimos este tipo de intromissão”. E lá ia o indiozinho ser abandonado na mata, ou enterrado vivo…

Saulo Feitosa é categórico na defesa de suas posições. Acho isto até positivo, pois fica mais fácil saber com quem estamos lidando, não é mesmo? Eis mais um trecho da reportagem em que Saulo brilhou:

“Para ele, organizações contrárias ao infanticídio fazem uma campanha mentirosa de que a comunidade obriga a mãe indígena a tirar a vida de seu filho, quando não é verdade. “No local do nascimento, só ficam a parturiente, a mãe e a avó. Elas é que vão decidir se vão ou não deixar a criança viver. Se o filho não volta com as mulheres indígenas, é porque elas decidiram não ter a criança”, afirma.”

Ele parece achar que tudo bem a mãe, a parturiente e a avó decidirem quem deve ou não morrer. Eu, que devo parecer a ele meio estranho, acho que é absurdo que alguém possa achar que isto é coisa normal. Acho mais absurdo ainda que quem ache tal coisa tenha algum cargo no CIMI, uma entidade católica.

E não é que a realidade contesta Saulo mais uma vez? Eis mais um trecho da reportagem:

Márcia, da Atini, tem outra posição. “Há relatos de mulheres que entraram em profunda depressão ou se suicidaram depois de ter que matar um filho. Temos o depoimento de Carol Kamaiurá, por exemplo. Ela teve gêmeos e permitiu que um dos meninos fosse enterrado. Hoje ela diz que não consegue olhar para o menino vivo sem pensar no que foi morto.”

Pois é… A mãe declarou que ela “permitiu” que um dos meninos fosse enterrado. Ou seja, não era sua vontade, teve que ser “convencida” por terceiros a aceitar isto. Para Saulo isto é “campanha mentirosa de organizações contrárias ao infanticídio”. E esta verdadeira “Escolha de Sofia” a que são expostas estas mães e que as deixam em depressão, podendo até chegar ao suicídio, é apenas uma fábula criada por entidades anti-infanticídio?

Verdade mesmo, para Saulo, é dizer que o infanticídio indígena não causa uma morte. Verdade mesmo é dizer que o aborto apenas “interdita a constituição do ser humano”. Então tá.

Segundo tal pensamento, o blog mantido pela ATINI deve ser um amontoado de mentiras. Lá podemos ter contato com uma realidade que é difícil de ler sem pensar como que alguém pode se mostrar indiferente ao que é mostrado.

São histórias de crianças enterradas vivas, crianças abandonadas na mata, pelos mais variados motivos: sexo indefinido, paralisia cerebral, por serem gêmeos, etc. Eis um exemplo:

“No ano passado Raimundinha ficou grávida. Ela morava numa comunidade distante no Amazonas. Lá as meninas não têm muito valor. Todo mundo prefere os meninos. Raimundinha já tinha três filhas meninas e estava com medo de ter outra. Se nascesse mais uma menina, as pessoas iam falar muito mal dela. Ela não ia agüentar e ia acabar matando sua filha. Ramundinha passou a gravidez toda com medo. Na hora do parto, ela levou um susto muito grande porque nasceram duas meninas da mesma barriga. Ela ficou apavorada e chamou o marido. Roberto ficou tão triste quando viu as crianças que o coração dele quase parou. Ele flechou as duas crianças e saiu de perto. Raimundinha sofreu muito por causa das suas filhas que morreram.” [nomes trocados no original]

Isto é “campanha mentirosa de organizações contrárias ao infanticídio”? Tudo bem, então, flechar as crianças? Afinal, isto não foi uma morte, não é mesmo?

***

Há surpresa no que vai acima? Nenhuma… Nenhuma mesmo.

A evolução natural do pensamento abortista, que sempre parte da coisificação da vida humana, retirando seu valor sagrado, desumanizando o que é já humano desde a concepção, só pode levar a coisas bizarras como a que vemos acima.

Mas não há como deixar de dizer que saber que o senhor Saulo Feitosa é Secretário-Adjunto do CIMI é coisa que foge à compreensão de qualquer católico. Imaginar que um senhor que chega ao absurdo de dizer que infanticídio não é morte participe de projetos que envolvem missões entre povos indígenas é revoltante.

Afinal de contas, o que o CIMI faz? Quantos são os convertidos? Quantos são os batizados, quantos os que abraçam a Fé Católica? Ou será que só ficam neste papo furadíssimo de que a cultura indígena deve ser preservada, mesmo que esta tal “cultura” signifique matar recém-nascidos enterrados vivos ou a flechadas?

Que tipo de missão é esta que atrai pessoas que ficam mais preocupadas em demonizar o trabalho louvável de entidades que se dedicam a impedir a morte cruel de crianças e recém-nascidos, mas que arrogantemente impede uma suposta “intromissão” nos assuntos indígenas enquanto crianças são mortas por causa de problemas mentais ou outros defeitos?

Que missão pode ser feita quando um dirigente desta entidade católica “esquece” o que o Magistério da Igreja ensina:

“Com efeito, Deus, senhor da vida, confiou aos homens, para que estes desempenhassem dum modo digno dos mesmos homens, o nobre encargo de conservar a vida. Esta deve, pois, ser salvaguardada, com extrema solicitude, desde o primeiro momento da concepção; o aborto e o infanticídio são crimes abomináveis. (…)” – Gaudium et Spes, 51.

O CIMI e seus dirigentes desconhecem ou simplesmente não ligam para o que o Magistério ensina serem crimes abomináveis?

Repito o que disse no início: os senhores bispos, principalmente os ortodoxos, devem o quanto antes tomarem as rédeas do que vem acontecendo nas pastorais e outras entidades com ligações com a CNBB. Não o fazendo, vamos sempre continuar correndo o risco de vermos nestas entidades gente que nem mesmo acha que aborto e infanticídio causam a morte de um ser humano.

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