O embrião é apenas um “amontoado de células”? A Ciência diz que não.

No artigo abaixo (original aqui), em uma tradução livre feita por nosso blog, a pesquisadora Ana Maria Dumitru, da Dartmouth College, mostra que a Ciência já sabe que um embrião, mesmo em seus primeiros dias após a fertilização (concepção), já é um organismo biologicamente autônomo.

Ela dá uma resposta muito bem fundamentada a todos os defensores do aborto que insistem em se referir ao embrião como “um amontoado de células”. Nada poderia estar mais errado e contrário ao que a Embriologia Humana já conhece sobre o assunto.

As implicações éticas deste fato científico são amplas e isto só reforça o ponto que sempre foi defendido pelo movimento pró-vida, que a partir da concepção já existe um novo ser humano cujo valor é intrínseco, e que por isto mesmo independe do número de semanas de gestação ou do evento do nascimento.

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Ciência, Autonomia Embrionária e a Questão sobre Quando é o início da Vida

Ana Maria Dumitru

Quando a vida começa? De acordo com a Suprema Corte dos Estados Unidos, vários políticos, incluindo o Presidente Barack Obama, e uma variedade de outras fontes, há ainda muito debate nos domínios da ciência e da medicina sobre como responder a esta importante questão. Uma saída pela tangente muito popular é dizer algo como “Esta resposta está além de minhas atribuições”, ou “Se os cientistas ainda estão debatendo isto, quem sou eu para fazer qualquer especulação?”.

A verdade é que a ciência já respondeu a esta questão de forma bem clara. É realmente bem simples. Você tem um óvulo de uma fêmea e um espermatozóide de um macho. O espermatozóide penetra o óvulo. E agora você tem uma célula com a quantidade completa de material genético necessária para qualquer coisa que um humano necessite fazer.

Porém, mesmo isto pode não ser necessário para convencer os céticos. Há alguns meses, eu estava debatendo as questões sobre quando a vida começa e sobre a autonomia de embriões em primeiros estágios com alguns de meus colegas. Eu fiquei surpresa ao ouvir que eles ainda se baseiam no slogan que diz que “Bem no início, trata-se apenas de um amontoado de células”. No laboratório onde trabalho, nós estudamos divisão celular. Como cientistas, meus colegas têm de admitir que embriões são feitos de células vivas, mas eles não aceitam o embrião como um organismo vivo. Se o embrião em seus primeiros estágios é “apenas um amontoado de células”, então o aborto pode ser justificado. Por esta lógica, ele não é um ser autônomo, e definitivamente não é ainda uma pessoa humana. São apenas algumas poucas células crescendo no corpo da mãe, então a mãe pode escolher se livrar destas células se ela assim desejar.

Mas quando esta nova célula torna-se um organismo autônomo? Se o embrião é realmente apenas um amontoado de células, então estas células devem depender de alguma orientação externa para que possam sobreviver, certo? Se temos apenas um amontoado de células, então estas células não têm qualquer controle e nenhuma autonomia. Um simples amontoado de células desorganizadas e insignificantes seriam semelhantes a um grupo aleatório de células diferenciadas cultivadas em uma placa de plástico — elas podem se dividir se você as forçar a isto, mas não há qualquer estrutura interna ou organização presente.

A Autonomia do Embrião

Se definirmos a autonomia do organismo para que signifique liberdade de controle externo, verificamos que podemos identificar precisamente quando um embrião satisfaz esta definição de autonomia: desde o início. Um recente estudo publicado por Martha N. Shahbazi e outros pesquisadores do Reino Unido demonstra que estava nova célula formada sabe como proceder no período pós-concepção, independente de ela receber ou não sinais de um útero-hospedeiro. Shahbazi e seus colegas demonstraram em seu estudo que um óvulo fertilizado — também conhecido como zigoto, ou “produto da concepção”, ou embrião primitivo, ou um dos inúmeros termos descritivos — é um ser vivente autônomo. Esta única e diminuta célula, com seu conteúdo genético completo, pode e começa a se dividir e a crescer, mesmo em uma placa de experimentos em uma incubadora no espaço fechado de algum laboratório.

Shahbazi e seus colegas descongelaram embriões que haviam sido doados por uma clínica de inseminação artificial para seu grupo de pesquisas. Os embriões haviam sido congelados logo após a fertilização, e eles estavam em vários estágios do desenvolvimento da primeira semana (pré-implantação) quando passaram pelo processo de congelamento. Os pesquisadores então desenvolveram estes embriões até após o ponto no qual eles normalmente se implantariam na parede uterina, utilizando, para isto, uma cultura in vitro produzida por eles mesmos. Eles relataram que estas células podem se organizar com sucesso, mesmo que não tenham sido implantadas em um útero. Isto significa que, como suspeitávamos, embriões sabem já o que devem fazer para viver, e também que eles tentam viver, estejam ou não implantados em suas mães. Como os autores afirmam no artigo, seu sistema de cultura “permite que embriões humanos passem do estágio de pré-implantação ao de pós-implantação in vitro, mesmo na ausência de qualquer tecido materno”.

Programados para a sobrevivência

A razão pela qual o estudo de Shahbazi é tão crítico é porque eles não estão forçando estes embriões a se dividirem, e nem eles lhes estão dando qualquer tipo de instrução. Quando trabalhamos com células não-embrionárias em nosso laboratório, nós nos referimos a estas células como “imortalizadas”, porque elas foram manipuladas de tal forma que elas irão continuar a se dividir quando nós as desenvolvermos em uma placa de plástico em nossas incubadoras. Mas os embriões desenvolvidos neste experimento não foram manipulados ou forçados a continuar seu desenvolvimento. Eles cresceram por vontade própria.

Um embrião recém fertilizado pode não saber se ele foi ou não “desejado”, mas ele sabe que quer viver. Na verdade, o embrião tem duas grandes missões a partir do momento de sua concepção: uma é iniciar sua divisão, a outra é seguir através das Trompas de Falópio de sua mãe até a parede de seu útero. O embrião precisa implantar-se com sucesso porque ele possui recursos para sobreviver como um organismo por um número limitado de dias — ele necessita aninhar-se no endométrio de sua mãe, que é rico em nutrientes, para adquirir mais alimentos para sua jornada. É por isto que a maioria das drogas e dispositivos “contraceptivos” na realidade atuam como abortivos. Ao invés de impedir que o espermatozóide fertilize o óvulo, eles previnem a implantação do embrião. Sem os nutrientes disponibilizados pela implantação, o embrião morrerá. Mas, como Shahbazi e seus colegas demonstraram, se o embrião é suprido com nutrientes, ele continuará a lutar por sua vida. 

Nós já sabemos que o embrião em desenvolvimento comunica-se com sua mãe através da troca de sinais e nutrientes na corrente sangüínea, mas agora sabemos também que o embrião está programado para a sobrevivência a partir de seu primeiro momento. Esteja ou não em sua mãe, o embrião possui o equipamento de que necessita para levar à frente seu desenvolvimento. E mesmo na ausência de quaisquer sinais por parte de um útero materno, o comportamento padrão de um embrião é seguir sua trajetória pró-sobrevivência, pró-desenvolvimento e pró-vida.

Está na hora de reavaliarmos pesquisas que destroem embriões

As arrepiantes implicações destas descobertas deveriam nos fazer reavaliar as premissas pelas quais permitimos pesquisas serem conduzidas em embriões humanos. Este estudo elimina a possibilidade de dizer que o embrião em seus estágios iniciais não é um organismo ou que ele não seja autônomo. Na verdade, os autores referem a “eventos críticos de remodelagem” destes embriões como “autonomia embrionária”.

Ainda assim, mesmo no manuscrito, a justaposição entre o texto do artigo e sua implicação ética é chocante. Este contraste ilustra de forma bem clara a discrepância entre o que a ciência diz e o que o público escolhe ouvir. “A implantação é um marco no desenvolvimento humano”, escrevem os autores na seção de discussão do artigo. “Consentimentos informados foram obtidos de todos os casais que doaram embriões excedentes após procedimentos de inseminação artificial”, pode-se ler no artigo na parte de informação ética. “Agradecemos aos pacientes que doaram seus embriões”, escreveram os autores na parte de agradecimentos.

De um lado, os dados mostram que estes embriões são seres humanos autônomos que simplesmente estão ainda em seus primeiros estágios de desenvolvimento. De outro lado, os conselhos de ética e os próprios autores justificam a destruição destes embriões categorizando-os como propriedade dos casais que os doaram. Os autores agem como se a capacidade dos embriões para o desenvolvimento autônomo, que foi por eles verificada empiricamente, não necessitasse ser traduzida no reconhecimento da autonomia dos embriões humanos.

Nenhum cientista que já tenha feito estudos em células pode dizer que uma célula que esteja se dividindo não esteja viva. E agora nenhum cientista pode alegar que a um embrião em crescimento falta a autonomia de um organismo. A próxima questão é se a autonomia do organismo tem influência nas definições legais e éticas de personalidade.

Em 2008, bem antes do artigo recentemente publicado por Shahbazi, Robert P. George e Christopher Tollefsen basearam-se em outros estudos embriológicos em seu livro “Embryo: A Defense of Human Life”. Eles argumentaram assim: “Nada extrínseco ao próprio organismo em desenvolvimento atua nele para produzir um novo caráter ou dar-lhe uma nova direção em seu desenvolvimento”. Esta afirmação enervou vários críticos, como evidenciado pela resposta de William Saletan na seção de resenha de livros do New York Times: “Ninguém que tenha um útero descreveria uma gravidez desta forma”. Saletan insinuava que George e Tollefsen haviam escolhido a dedo trechos de textos de Embriologia para que a ciência se adaptasse à argumentação. Até então muitos cientistas viam o embrião recém-fertilizado como parte de um sistema controlado pela mãe, e talvez devido a isto não fosse bem entendida a argumentação filosófica que George e Tollefsen estavam fazendo.

Mas como George e Tollefsen e outros (tais como John Finnis e Patrick Lee) já explicaram, autonomia do organismo em animais e personalidade não são termos intercambiáveis. No final das contas, nem todos os animais são pessoas, embora sejam organismos autônomos. Mas George e Tollefsen destacam que um organismo com toda a capacidade de se tornar pessoa reconhecível (e “extra-uterina”) já é de fato uma pessoa, porque mesmo se as capacidades do organismo ainda não estejam completamente desenvolvidas elas já se encontram presentes em um embrião recém gerado. A personalidade é formada, eles argumentam, não por capacidades que sejam imediatamente exercíveis, mas por capacidades intrínsecas. Assim, um embrião humano tem todas as mesmas capacidades intrínsecas como as de um humano adulto já completamente formado. Ambos são pessoas.

A resposta de Saletan ilustra um engano comum sobre esta distinção. Ele argumenta que um embrião não se qualifica como portador de personalidade. Ele não faz qualquer distinção entre funcionamento biológico imediato e personalidade. Como resultado disto, Saletan diz que nós “não devemos [ao embrião] o mesmo respeito que devemos a cada um de nós”, chegando a esta conclusão através de um raciocínio análogo ao caso de pensarmos em uma semente e uma árvore, conforme proposto por Michael Sandel. (Em resumo: embora uma árvore tenha sido um dia uma semente, ninguém perde as estribeiras quando uma semente é perdida, mesmo que a semente tenha a capacidade de se tornar uma árvore).

Mas como Robert George e Patrick Lee mostram, nós damos valor às instâncias (estágio de desenvolvimento) de uma espécie de árvore devido ao seu valor instrumental, e assim nós damos mais valor a um carvalho frondoso que à sua semente, mesmo que se trate da mesma entidade. Mas nós valoramos instância da espécie humana devido ao seu valor intrínseco, e, desta forma, nós damos valor aos seres humanos em todos os seus estágios de desenvolvimento de forma igual. Seres humanos não adquirem personalidade em algum ponto específico de seu desenvolvimento.

Agora que o estudo de Shahbazi demonstrou, como George e Tollefsen argumentaram, que o embrião recém fertilizado possui todas as capacidades para desenvolver seu organismo de forma autônoma, seria interessante saber se isto seria evidência suficiente para Saletan repensar seu posicionamento sobre personalidade. A questão que agora está à nossa frente é se começaremos a reconhecer se a autonomia biológica dos embriões deveria se traduzir em personalidade ética e jurídica.

Então vamos parar de sair pela tangente. Está na hora de encarar a verdade. A ciência já afirma o que já suspeitávamos há tempos: nós os chamamos óvulos fertilizados, zigotos, mórulas, blastocistos, produtos da concepção, embriões ou fetos, mas isto não muda a realidade. E a realidade é esta: eles são seres humanos autônomos desde o início.

[Negritos feitos pelo tradutor]

— Ana Maria Dimitru é doutoranda da Geisel School of Medicine, da Dartmouth College.

 

 

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