João Hélio e Emily: os que mais sofrem

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Os pais de João Hélio em ato em memória de sua morte

Já alguns vezes abordamos aqui no blog o caso do menino João Hélio. Infelizmente, talvez bem poucos ainda se lembrem do caso. Muitos de nossos jovens eram bem crianças quando o pequeno João Hélio teve uma das mortes mais horríveis que se possa imaginar. Os bandidos roubaram o carro que sua mãe dirigia e o menino, que não conseguiu ser solto pela mãe a tempo, pendurado pelo cinto de segurança do lado de fora do veículo, foi arrastado pelas ruas de alguns bairros do subúrbio da cidade do Rio de Janeiro. Seu corpo foi despedaçado. Um crime bárbaro, hediondo.

O delegado responsável pelo caso, dr. Hércules Pires do Nascimento, relatou que uma das testemunhas do latrocínio chegou a avisar aos assaltantes em fuga que eles estavam arrastando algo, e o criminoso que dirigia, Carlos Eduardo Toledo Lima, fazendo graça, disse-lhe que era seu “Boneco de Judas”. Quando o carro foi abandonado pela quadrilha, uma testemunha que chegou perto do carro relatou que o estado do corpo do menino era “deplorável”.

Como não se revoltar? Qualquer sociedade se revoltaria, certo? Mas não no Brasil… Passaram-se 11 anos desde a morte de João Hélio. Será que algo mudou? Vejamos então nos dias atuais…

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A mãe de Emily em seu enterro.

Ontem foi o enterro da menina Emily Sofia Neves Marriel, de 3 anos, baleada e morta em um subúrbio do Rio de Janeiro em uma tentativa de assalto. Seu enterro foi no mesmo dia da morte do menino João Hélio há 11 anos. Coincidência? Não, não há qualquer coincidência. O que há, na verdade, é algo que vai acontecendo cada vez mais no Brasil e não apenas no Rio de Janeiro. O que vem acontecendo é a completa falência moral de nossa sociedade, e casos como os de João Hélio e de Emily é uma das partes mais horrendas dos tempos que estamos vivendo.

À época da morte de João Hélio, em virtude de um dos acusados ser menor de idade, houve uma indignação geral entre a população sobre a maioridade penal ser apenas aos 18 anos no Brasil, o que é realmente um absurdo sem tamanho. Diante desta gritaria, o que um sociólogo declarou à imprensa sobre o anseio popular? Eis o que Ignacio Cano, o sociólogo em questão, declarou há 11 anos:

“Isso seria uma resposta bárbara a um crime bárbaro que só faria aumentar a espiral da barbárie. Vejo nisso uma repercussão excessiva, apesar do caráter extremamente perturbador do crime, um raciocínio primitivo porque as pessoas estão reagindo emocionalmente. Tentar extrair políticas públicas de um caso extremo como esse é demais.”

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A quadrilha que matou João Hélio.

Pois é… A quadrilha de criminosos arrasta um menino por vários quilômetro pendurado em um carro e o vai despedaçando por todo o trajeto. Isto é bárbaro, ele concorda, mas também é bárbaro, para o sociólogo, quem deseja que menores possam responder por seus crimes. Ele chamou isto de reagir “emocionalmente”. Certo… Talvez devêssemos ser bem frios ao lidar com o fato de um menino de 6 anos de idade ser assassinado desta forma e um dos assassinos no máximo passar 3 anos em uma instituição de recolhimento de menores. Somos todos muito bárbaros mesmo.

Mas é claro que a coisa não ficou apenas nisto, pois trata-se de Brasil. Se o delegado Hércules Pires do Nascimento cumpriu seu trabalho de forma exemplar capturando os assassinos e concluindo o inquérito policial em tempo curtíssimo, o mesmo não se pode dizer da Justiça brasileira. Para se ter a exata idéia da desfaçatez da qual nossa sociedade é vítima, eis as penas a que foram condenados os quatro criminosos que eram maior de idade quando aconteceu o crime.

Carlos Eduardo Toledo Lima foi condenado – 45 anos de prisão
Diego Nascimento da Silva – 44 anos e três meses de prisão
Carlos Roberto da Silva – 39 anos de prisão
Tiago de Abreu Mattos – 39 anos de prisão

E agora é que vem o melhor: os dois criminosos que receberam penas de 39 anos já estão cumprindo pena em regime semi-aberto desde 2015 (quem quiser consultar, basta ir na página do PJRJ). É isto mesmo: eles já estão andando livremente entre a população carioca, mas vão dormir na cadeia. E é de se imaginar que os outros dois criminosos estejam já quase também recebendo o benefício. Benefício para eles, claro, mas não para a sociedade. Resumindo: eles mataram uma criança de uma forma que não deve ser feita nem a um animal, nem ao pior dos inimigos, e já estão sendo beneficiados ou já estão em vias de receber o benefício do regime semi-aberto.

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O menor Ezequiel Toledo de Lima, quando de sua captura.

E o outro criminoso? Ezequiel Toledo de Lima, menor à época do crime, passou 3 anos recolhido (menores não são presos no Brasil) e depois foi liberado. A última notícia que se acha sobre ele na internet é que ele cometeu crime na Região dos Lagos, também no estado do Rio de Janeiro. Que surpresa, não?

Agora, como será que o sociólogo que chamou de “resposta bárbara” o pedido de redução da maioridade penal reage a este festival de impunidade? Será que ele acha que Ezequiel cumpriu sua pena e não deve nada à sociedade pelo crime bárbaro do qual foi cúmplice? Será que os “especialistas” que vivem aparecendo na Globo News dizendo que a solução para a escalada de violência é o desarmamento têm idéia de que a população há muito tempo já está desarmada e completamente à mercê de bandidos?

A população está se sentindo cansada, acuada, desamparada, completamente abandonada. O próprio delegado Hércules Nascimento, já aposentado, recordando o caso que marcou sua carreira, demonstrou bem a desesperança que nos atinge a todos:

“Já se passaram 10 anos, mas está tudo vivo em minha memória, como fui tolo, pensei que depois da morte cruel do menor João Hélio alguma coisa ia mudar, hoje vejo que está muito pior, por culpa dos nossos políticos corruptos.”

Nascimento Pires
O delegado Nascimento lembrou os 10 anos da morte de João Hélio em sua página no Facebook.

E agora, exatos 11 anos após a morte cruel de João Hélio, temos o enterro da menina Emily, de apenas 3 anos de idade. E, se a polícia fizer exatamente como fez o delegado Nascimento há 10 anos, se ela não medir esforços e capturar o assassino da menina Emily, se ele for condenado a uma pena dura, em quantos anos será que o criminoso será beneficiado com o regime semi-aberto enquanto os pais da criança ainda ficam chorando a morte de sua filhinha?

E como nossa sociedade está em relação a isto tudo? Sinto dizer, mas todos estamos indo pelo ralo. Em nossa primeira publicação sobre este assunto, em 2011, escrevi isto:

“Nossa sociedade, principalmente a sociedade carioca com seus dândis politicamente corretos metidos a cosmopolitas e antenados com o progressismo mais retrógrado, há 4 anos achou por bem homenagear o menino recém falecido com uma faixa durante desfile de uma escola de samba; outra escola chegou ao máximo da benevolência ao fazer sua comissão de frente mostrar seu nome em uma coreografia.

Lindo, não? A um menino despedaçado por frios criminosos, nada como homenagear seu nome em meio a uma festa com muita gente nua, regada a muito chope, com todo mundo afetando alegria e deixando de lado qualquer limite moral. Isto, na minha opinião de não-sociólogo, é que é barbaridade!”

E ontem, devido à escalada do crime no Rio de Janeiro, eis o que tweetou a advogada Janaina Paschoal:

janaina paschoal

E qual a resposta de parte da sociedade? Vejamos algumas…

Resp1

Resp2

Resp3

Pela quantidade de “curtidas” nas respostas dá para ver que o que eles externaram é a opinião de uma parte considerável da sociedade.

Nossa crise é, antes de tudo, moral. É exatamente por isto que o portal de notícias G1 (das Organizações Globo) e uma página do Facebook conhecida por seu “progressismo” divulgaram e comemoraram a aprovação de um detento em primeiro lugar no vestibular do Pará para o curso de Cinema. A infâmia maior ficou por conta de que o condenado está preso por estuprar três crianças, além de filmar e divulgar seu ato através da internet. Mas, para os auto-denominados progressistas, isto talvez seja apenas um detalhe, o que vale mesmo é levantar suas bandeiras, mesmo que isto os leve a “esquecer” o que o criminoso fez e que ele devia mesmo era estar pagando integralmente pelos danos que fez às suas vítimas e não fazendo faculdade às nossas custas.

É esta crise moral que leva boa parte da população a falar contra o que a dra. Janaina Paschoal escreveu, pois, afinal, quem é ela para falar que é absurdo uma cidade que está se esfacelando a olhos vistos mantenha uma festa como o Carnaval, certo?

Há 11 anos, o Carnaval carioca passou por cima da memória da bárbara e cruel morte do menino João Hélio, e agora esta mesma festa irá atropelar a morte da pequena Emily. E, depois da festança, todos provavelmente teremos já esquecido do que ocorreu e deixaremos que as famílias fiquem com suas dores. Sociólogos continuarão a dizer que opiniões contrárias às deles são bárbaras, “especialistas” continuarão a ser chamados pela Globo News para dizer que a solução é continuar fazendo o que se faz, criminosos serão capturados e, dentro em pouco, beneficiados com progressão de pena, e páginas prafrentex continuarão a exaltar estupradores de crianças. Até a próxima tragédia…

Até a próxima tragédia? Não mesmo. O fato é que tentamos viver em meio a uma tragédia diária, da qual sequer conseguimos entender o problema. Ou, quando entendemos um pouco do problema — a absurda impunidade, por exemplo —, aparece algum “bem-pensante” que diz que o queremos é uma barbaridade. E quem mais sofre são os mais humildes, os mais fracos, são nossas crianças como João Hélio e Emily.

João Hélio Luto

 

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