Veja e o aborto: os malabarismos de Reinaldo Azevedo

Quando o assunto é aborto, a revista “Veja”, conforme já foi dito neste blog, tem lado: o dos abortistas. Propositadamente (conforme mostrado aqui), esta publicação divulga dados fantasiosos sobre o aborto, e, neste particular, segue a antiga prática dos meios abortistas de exagerar nos números sobre o aborto como tática para flexibilizar a opinião pública contrária a este ato abominável. Da mesma forma, “Veja” chama especialistas que têm isenção nenhuma sobre o assunto para pautar sua reportagem.

Não podemos dizer que haja qualquer surpresa nesta linha editorial de “Veja”. Mas há outras supresas… Não na revista impressa pelo menos. A grande surpresa veio de um blog que é hospedado pelo site de “Veja”: o blog de Reinaldo Azevedo.

Quando da publicação da edição com a matéria de capa sobre aborto, eis o que escreveu o famoso jornalista(original aqui):

“Vocês sabem o que penso sobre o aborto, opinião expressa em dezenas de posts. O tema está na capa da VEJA desta semana. Embora a prática seja proibida no país — a não ser em caso de risco de vida da mãe ou de estupro —, não é segredo que milhares de intervenções são feitas todos os anos. Há quem diga que pode chegar a um milhão, número impossível de provar em razão da clandestinidade da maioria das intervenções. Muitos médicos, informa Adriana Dias Lopes, têm visto a questão segundo a chamada “política de redução de danos”: não estimulam ou facilitam a interrupção da gravidez, mas prestam a suas pacientes o devido socorro. A reportagem resulta equilibrada, informando as vertentes do debate sobre o assunto e todos os óbices de consciência que o envolvem, driblando o risco do proselitismo. Neste ano, o STF tomará uma decisão sobre a legalidade do aborto em caso de má-formação fetal. É dada como certa uma decisão favorável à interrupção da gravidez.”

Talvez nos quase três anos de seu blog não possamos ver um parágrafo tão descuidado quanto este. Primeiramente, ao contrário do que deixa a entender Reinaldo Azevedo, o aborto não é permitido nem em caso de estupro e nem em caso de risco de vida para a mãe. Como já foi bem explicado, o aborto nestes dois casos não é punível, o que é bem diferente de classificá-lo como permitido ou, para ficar mais próximo do que escreveu o articulista, não-proibido.

Ao falar sobre os médicos que aparecem dando depoimento na reportagem, Reinaldo Azevedo foi, digamos, econômico. Quem já teve a oportunidade de lê-lo em polêmica anterior sobre política de redução de danos aplicadas ao problema de consumo de drogas, certamente estranhou sua placidez ao novamente se deparar com esta política, agora relacionada ao término de vidas humanas. Bem ao contrário do que parece crer o jornalista, o papel dos médicos entrevistados por “Veja” segue por caminhos diferentes do que o simples “prestam a suas pacientes o devido socorro”. Segundo podemos ler na reportagem, há médicos que admitem conversar com suas pacientes sobre os métodos mais seguros de abortar. Logicamente, que a segurança, no caso, refere-se apenas à mãe, pois para o filho ou filha que vai em seu ventre a única segurança que se dá é que sua vida será interrompida.

Quando da polêmica sobre redução de danos relacionados às drogas, Reinaldo Azevedo criticou fortemente — e com justiça! — um editorial da “Folha de São Paulo”. Eis um pequeno trecho (original aqui):

“Não sou cientista, como bem sabe o editorial. Mas não reconheço a especial autoridade de psicólogas para tratar de temas que dizem respeito a escolhas que também são morais. Elas podem opinar. Mas eu também posso. A Folha, como se vê, também pode.”

É no mínimo curioso que o mesmo jornalista nada tenha a dizer sobre médicos que assumem sem qualquer nomeação o tratamento do tema do aborto. Afinal, não é este também uma escolha moral? Por que o tema, que outrora lhe havia sido tão caro, agora rendeu apenas um mísero parágrafo, e, mesmo este, eivado de erros e omissões?

Mas o jornalista continua a varrer a sujeira de “Veja” para debaixo do tapete… Diz ele que a reportagem é equilibrada. Talvez seja o caso de Reinaldo Azevedo reajustar sua balança, pois é muitíssimo complicado chamar de “equilibrada” uma reportagem com números fantasiosos sobre o aborto no Brasil. Números, aliás, que vem sendo ano após ano repetidos por grupos abortistas e pessoas a eles ligados. Números que foram repetidos por ministros do Governo Lula envolvidos com a flexibilização da legislação penal que pune o aborto em nosso país. Números, aliás, que o próprio Reinaldo Azevedo contestou fortemente em seu blog há alguns meses (original aqui):

“(…) Se esses números fossem verdadeiros, já não quereriam dizer grande coisa. Como são uma fantasia, não passam de fetiche de quem, sendo favorável ao aborto, busca algum conforto numa estatística, qualquer uma, mesmo que furada.

(…)

Esse número é um fantasia e, como argumento, não passa de uma falcatrua. Acho perfeitamente legítimo que um defensor do aborto venha a púbico para dizer que feto não é vida, não tem terminações nervosas ou sei lá o quê. Mas que arque com o peso de sua opinião. O que não dá é para se esconder em falsas estatísticas, como habitualmente faz o ministro da Saúde (…).

(…)

Assim, não me venham com esses números sem dizer a fonte. E, se disserem que é o Ministério da Saúde, ainda não se resolveu o problema. Porque vou querer saber se ele tem ao menos um impresso a notificação médica ou um 0800 para que os abortos sejam comunicados. Como não tem, isso é pura picaretagem. (…)”

Lamentavelmente, o tom de Reinaldo Azevedo frente à mesma “picaretagem” foi bem diferente?

Como pode-se falar em “equilíbrio” se na reportagem há apenas um único profissional da área médica que se mostrou contrário à abordagem da “redução de danos” e, mesmo assim, cometeu um erro, ainda que inadvertidamente, ao declarar que não podia ser “juiz de uma vida em potencial”. Um embrião tem a vida da mesma forma que qualquer um de nós. “Vida em potencial” é mais um dos folclores criados por abortistas para tentar fazer com que os desavisados creiam que esta seria um estágio anterior à “vida”. Que “equilíbrio” é este?

Do mesmo modo, não se entende que Reinaldo Azevedo escreva que a reportagem informou “as vertentes do debate sobre o assunto e todos os óbices de consciência que o envolvem, driblando o risco do proselitismo”. Tal afirmação ou é uma completa distorção do texto da reportagem ou é fruto da pena de quem não leu o que foi escrito. A quem leu a reportagem de “Veja” fica claríssimo tanto a tomada de posição — posição abortista — quanto a falta de espaço para divulgação dos argumentos contrários ao aborto. Reinaldo Azevedo, que tem por hábito ir ao fundo de questões polêmicas, esquivou-se por completo do assunto.

Beira a comédia pastelão o articulista escrever que a revista driblou o risco de proselitismo. Não seria exagero afirmar que, após a leitura da reportagem, uma mulher estaria bem mais segura de conseguir um profissional para cuidar de seu “problema”. “Veja” em uma só tacada forneceu o nome de uma ONG abortista, os nomes dos remédios para abortar, “denunciou” a facilidade para conseguir tais remédios controlados e ainda pudemos ler médicos informando que estes remédios podem ser comprados pela internet.

Pois é… Enquanto Reinaldo Azevedo gasta as pontas de seus dedos para absurdamente declarar que a revista para qual trabalha não fez proselitismo, podemos imaginar meninas e meninos menores de idade digitando no Google as informações dadas em “Veja” e conseguindo livremente comprar os produtos necessários para matar seus filhos.

Resumindo: o texto do jornalista foi um completo desastre. O desastre só aumenta quando ele se diz contrário ao aborto.

***

Infelizmente, por mais que eu tenha admiração por Reinaldo Azevedo, principalmente por ele ser um crítico ferrenho do petismo, sua atuação quando o assunto é a Defesa da Vida é, para dizer o mínimo, equivocada. Exemplos não faltam.

Quando no primeiro semestre de 2008 o STF julgava a ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) que liberaria ou não a pesquisa com células-tronco embrionárias humanas (CTEH), Reinaldo Azevedo começou a dar pistas sobre a superficialidade com que trata do assunto. Já próximo do início do julgamento, a revista “Veja” entrevistou em suas páginas amarelas a bióloga Mayana Zatz, conhecida militante pró-pesquisas com CTEH e que é colega de Reinaldo Azevedo no site da revista.

Para quem lê Reinaldo Azevedo, foi surpreendente vê-lo escrever em seu blog praticamente um panegírico à dra. Zatz e aos seus dotes como cientista. O jornalista escreveu coisas como:

“Vocês querem uma opinião inteligente, fundamentada — não coisa de chicaneiro que não perde uma chance de atacar a Igreja Católica?” (original aqui)

Enquanto que a Dra. Zatz, na entrevista, declarava isto:

Veja – Quais são os principais oponentes da pesquisa com células-tronco embrionárias no Brasil?

Mayana – A oposição vem basicamente da Igreja Católica. (…)” (original aqui)

Mayana Zatz nunca perde uma chance de atacar a Igreja? Só Reinaldo Azevedo não enxerga isto ou não quer enxergar. Se houve alguém que tudo fez para criar uma falsa oposição entre religião — no caso, caracterizada pela Igreja Católica — e ciência, este alguém foi Mayana Zatz.

E não, esta declaração da doutora, a que não é chicaneira, não foi única. Segue uma outra:

“(…) A Igreja Católica tem o direito de expor suas opiniões, mas não pode impor isso a toda a sociedade. (…) ” (original aqui)

E há mais… Vejamos um trecho de uma entrevista da Dra. Zatz concedida ao midiático Dr. Dráuzio Varella, que, aliás, defende o aborto até os 3 meses de gestação (aqui):

Drauzio – Considerar que um óvulo fecundado por um espermatozóide num tubo de ensaio, depois de três ou quatro divisões, é uma vida com o mesmo direito da criança que está na cadeira de rodas, sentindo-se cada vez mais incapacitada, é revoltante. Nesse caso, não seria exagero encarar a masturbação masculina como um genocídio em potencial.

Mayana Zatz – Nesse sentido, toda a vez que a mulher menstrua também perde a chance de ter um óvulo fecundado e está desperdiçando uma vida naquele momento.

Drauzio – Além da ignorância, o que move as forças contra esse tipo de trabalho? São interesses políticos, religiosos ou de que outro tipo?

Mayana Zatz – Nessa votação que houve na Câmara dos Deputados, parece que a oposição foi feita por grupos religiosos motivados pela idéia de que mexer no embrião é destruir uma vida.” (original aqui)

Aqui, a cientista renomada, que segundo Reinaldo Azevedo em nada se assemelha a chicaneiros, concorda com o Dr. Dráuzio Varella em sua patética tentativa de ridicularizar que não concorda com suas posições.

Ambos os doutores, queridinhos da mídia, sabem muito bem que os que são contrários às pesquisas com CTEH o fazem por entender que, após a fecundação, o que ali existe é uma vida humana. E, notemos e atentemos bem para este ponto, é a própria ciência que assim o diz. Chamar de genocídio a simples emissão de sêmen resultante de masturbação ou dizer que ao menstruar uma mulher desperdiça uma vida serve apenas para tentar desqualificar a parte contrária tomando como base fatos que ninguém trouxe à discussão. Tanto Dra. Zatz quanto o Dr. Dráuzio bem sabem disto, mas para ambos é bem mais confortável evitar a argumentação de bom nível. E, claro, faz mais efeito para a galera.

Ah, sim, e ela não é chicaneira! Ok, Reinaldo Azevedo.

E, na segunda “pergunta” de Dr. Dráuzio, ele levanta a bola na medida para a doutora praticar o que mais gosta: produzir uma oposição entre a Igreja Católica e a ciência.

E é desta doutora, que não é chicaneira, segundo Reinaldo Azevedo, que este jornalista, ainda no seu panegírico, escreveu o seguinte:

“Ponderada, Mayana não faz esse jogo estúpido, pueril, coisa de militantes imbecis contra a Igreja Católica (e qualquer forma de religião), entre iluministas e obscurantistas. (…)”

Reinaldo Azevedo sabe do que fala, não é mesmo? Talvez ele não soubesse do abaixo-assinado online que varreu a internet em apoio à Dra. Mayana Zatz e suas pesquisas. Nada contra o apoio, mas segundo o texto deste abaixo-assinado, o que motivou a corrente de um monte de gente foi a seguinte declaração do ex-Procurador Geral da República, Dr. Claudio Fonteles:

“A doutora Mayana Zatz, que é o principal elemento de quem pensa diferentemente da gente, tem também uma ótica religiosa, na medida em que ela é judia e não nega o fato. Na religião judaica, a vida começa com o nascimento do ser vivo. Então, ao defender a posição dela, ela defende a posição religiosa dela, que é judia e que a gente tem de respeitar”

Qual o problema da fala do Dr. Fonteles? É assim tão ofensivo que um dos componentes da visão de mundo de um cientista seja sua religião ou, mesmo se ateu, que seu contato com princípios religiosos tenha influência em uma pequena parte nesta visão? No caso da Dra. Zatz, sua “visão científica” serviu como um terninho sob medida para a “visão judaica” sobre quando inicia a vida (mais detalhe aqui, no blog do Wagner Moura – “O possível e o extraordinário”).

Mas o pessoal que não pensou assim e que criou ou assinou o tal abaixo-assinado viu muito mais coisas na fala do Dr. Fonteles. Viram coisas tais como:

“A luta pela vida está acima dos credos. Logo, não se pode misturar ciência com religião, sob o risco de se voltar ao obscurantismo da Idade Média – a idade das trevas.”

Ou ainda:

“O Estado brasileiro é laico. Assim, a tentativa de desqualificar os argumentos científicos de Mayana com insinuações anti-semitas é lamentável. No mínimo, contraria a tradição brasileira de tolerância e respeito à diversidade religiosa.”

E ainda:

“Direito à esperança de cura e à liberdade de pesquisa, sim. Ao obscurantismo, não.”

Pois é… Dra. Zatz foi defendida por gente que viu na fala do Dr. Fonteles até mesmo anti-semitismo! Beira o ridículo quem lê a fala do ex-Procurador e entende tal coisa de suas palavras. E o mais impressionante é que o ex-Procurador falava sobre a necessidade de ser respeitada uma posição religiosa contrária — no caso, a judaica — para que a dele também fosse respeitada. E foi nisto que os produtores do abaixo-assinado enxergaram “insinuações anti-semitas”?

Talvez seja a primeira vez na história em que um homem defende que as várias posições religiosas sejam respeitadas — inclusive a judaica — e, mesmo assim, seja taxado de “anti-semita”.

Obscurantismo? Idade das trevas? Ora, obscurantismo é o método de quem dá interpretações esdrúxulas a uma fala claríssima, como a do Dr. Fonteles, apenas para que o que fantasiam sirva-lhes de munição para suas teorias conspiratórias de fundo de quintal. Estes, sim, são os obscurantistas.

E será que Mayana Zatz deu alguma entrevista repudiando tal interpretação claramente equivocada da fala de Dr. Fonteles? Não… A doutora não deu um pio sequer sobre o assunto, apesar de a tal petição ter sido postada na íntegra até mesmo em um dos blogs políticos mais visitados no Brasil, o Blog do Noblat, sem contar inúmeros outros sites que ajudaram na corrente de assinaturas do abaixo-assinado.

Ou seja, é quase impossível que a Dra. Zatz desconhecesse o texto que chegava ao absurdo de acusar Dr. Fonteles de anti-semitismo. Apesar de tudo isto, Dra. Mayana Zatz em momento algum deu declarações contra esta campanha baixíssima que tinha como alvo Dr. Claudio Fonteles, ou, como os subscritores do abaixo-assinado preferiram, “o franciscano Fonteles”.

Mas, para Reinaldo Azevedo, a Dra. Mayana Zatz é ponderada, nem faz jogo estúpido e pueril, que, segundo ele, é coisa de militantes anti-católicos. Então, tá.

***

Reinaldo Azevedo conhece a fundo Dra. Mayana Zatz, tanto que, segundo ele, da fala da doutora ele tira até mesmo uma contrariedade ao aborto. Vejamos:

“Leiam o que ela diz: “(…) é preciso que se entenda a diferença entre aborto e pesquisa com células-tronco embrionárias. No aborto, há uma vida dentro do útero de uma mulher. Se não houver intervenção humana, essa vida continuará. Já na reprodução assistida, é exatamente o contrário: não houve fertilização natural. Quem procura as clínicas de fertilização são os casais que não conseguem procriar pelo método convencional. Só há junção do espermatozóide com o óvulo por intervenção humana. E, novamente, não haverá vida se não houver uma intervenção humana para colocar o embrião no útero.” O trecho que assinalei em vermelho, queira Mayana ou não, é um argumento absolutamente consistente contra o aborto. E a honestidade intelectual me obriga a considerar que ela demonstra, sim, que se trata de coisas diferentes.” (destaque do autor)

O jornalista sempre olha Dra. Zatz do ângulo que lhe convém, infelizmente.

Ele, que orgulha-se de sua lógica, que realmente funciona como um relógio suiço na maioria das vezes, escorrega feio mais uma vez… Escreve ele que se sente obrigado a aceitar que ela demonstra que um aborto é diferente da utilização de CTEH em pesquisas. Será mesmo?

O fato é o seguinte: o jornalista, se quer mesmo se sentir obrigado a acreditar na “demonstração” da Dra. Zatz, deveria acreditar que a junção do espermatozóide com o óvulo é outra coisa que não a geração de uma nova vida. Pouco importa onde este encontro se dá, se dentro do corpo da mulher ou na proveta da cientista, o fato é que a partir da fecundação há uma nova vida, bastando apenas que haja o ambiente mínimo para que ela se desenvolva. Negar este ambiente, seja através de uma pílula abortiva, seja através do fórceps de um abortista ou através de suas destruição para pesquisas, é, sim, um aborto.

Mas parece que Reinaldo Azevedo, no seu afã de elevar Mayana Zatz ao paraíso científico, esquece-se até mesmo do que ele próprio escreveu:

“Negar o princípio da inviolabilidade da vida já na concepção transfere a necessidade de um marco definidor para algum momento da trajetória humana. Quando? Que homem se sente à vontade para substituir a inspiração do Deus que consideram tão ditatorial e imperfeito?” (original aqui)

Ou ele admite que a Dra. Zatz é o tal ser que substituirá Deus ou ele admite que a doutora demonstrou coisa nenhuma.

Reinaldo Azevedo ainda tenta forçar a barra como se as declarações da Dra. Zatz, querendo ela ou não, serviriam como uma forte base contrária ao aborto.

Mas o jornalista está muito enganado sobre o que realmente pensa a Dra. Mayana Zatz. Talvez ele não saiba, mas ela às vezes dá uma idéia do que realmente pensa:

“Quando começa a vida?

Mayana Zatz – Nunca chegaremos a um consenso. (…) Formou-se o consenso de que a vida termina quando pára a atividade nervosa. Para muitos, esse é o fim da vida. Acham até que podem desligar os aparelhos e fazer um transplante de órgãos. Já que o fim da vida é determinado quando pára o sistema nervoso, por que não instituir que o início seja aquele em que começa o sistema nervoso?

E quando isso acontece?

Mayana Zatz – A partir de 14 dias de gestação. Mas vou além: acho que a vida começa quando o feto tem condições de viver fora do útero, independente da mãe. Antes disso, não.” (destaques meus – original aqui )

Eis o pensamento zatziano em estado puro! Esta história de 14 dias é balela, coisa para boi dormir mesmo. O que ela realmente pensa sobre o assunto é o que está na penúltima frase. E é desta cientista que Reinaldo Azevedo quer tirar argumentos contrários ao aborto? Só mesmo em sua cabeça existe tal possibilidade.

***

Em matéria de política, Reinaldo Azevedo é realmente uma referência nacional. Já quando o assunto é vida, ele deixa muito a desejar. E por isto mesmo são patéticos suas pseudo-lições sobre o assunto. Eis um exemplo:

“E, à diferença do que disse dom Dimas Lara Barbosa, secretário-geral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), não creio que a decisão possa ser um ensaio para o aborto. Bem pensado, pode é ser o contrário. E Mayana nos fornece um argumento e tanto.” (original aqui)

Contar com argumentos de Mayana Zatz contra o aborto é coisa para fazer rir. O desenrolar dos fatos mostrou que D. Dimas estava mais do que certo.

Mas ele não se dava satisfeito… Ante a gritaria geral, escreveu um texto tentando explicar melhor seu ponto de vista. E saiu-se com esta:

“A firmeza tem de ser serena, não paranóica. Comparar os embriões congelados ao aborto corresponde a recorrer a um mecanismo que vejo muitas vezes em juízos da esquerda a mais tosca: “é tudo a mesma coisa”. Para que fosse, seria forçoso admitir que o ventre materno — e talvez eu não precise me alongar sobre a condição sagrada deste lugar — é dispensável nas precondições que tornam a vida do homem inviolável, porque divina. Não interfira na concepção, e ali está o humano. Pode-se dizer o mesmo dos embriões congelados de três ou quatro dias que estão congelados? Dilemas éticos supõem desdobramentos práticos: alguém, por acaso, lhes dará honras fúnebres cristãs quando forem descartados.” (original aqui)

Para manter a posição em que se meteu ao concordar com os argumentos de Mayana Zatz, Reinaldo Azevedo afunda mais ainda. Seu “Não interfira na concepção, e ali está o humano” leva ao pensamento absurdo de que fertilizações in vitro geram não-humanos, dado que houve interferência na concepção. Onde é que foi parar sua lógica?

E o articulista, impávido em sua posição, e sempre crente que havia agarrado Mayana Zatz em algum imaginário nó lógico, dava aulas a pessoas que se debruçam sobre o assunto há anos:

“(…) reitero que os católicos estão perdendo uma oportunidade histórica de proclamar uma vitória na sua posição sobre o aborto — e agora referendada pela ciência.” (original aqui)

Mas Reinaldo Azevedo caiu do cavalo, qual um Saulo indo à Damasco. E, depois, finalmente as escamas caíram-lhe dos olhos:

“Ayres de Britto, o relator, já havia dito que a Constituição protegia a vida a partir do nascimento apenas. Foi o ponto de partida de outras considerações sobre, então, quando começa a vida.

Celso de Mello foi quem mais avançou na questão, lembrando a pluralidade de visões a respeito. Para ele, a idéia de que a vida começa na concepção é uma tese da Igreja Católica, definida no século 19. E lembrou o que dizem outras tantas religiões. Mais: afirmou que os próprios cientistas têm divergências a respeito.

COMO VOCÊS SABEM, RESISTI MUITO A LIGAR UMA COISA A OUTRA. PARA MIM, NO PRÓPRIO VOTO DE BRITTO HAVIA UMA MANIFESTAÇÃO ANTIABORTO, QUANDO ELE LEMBROU QUE O EMBRIÃO, NO ÚTERO, SEM INTERVENÇÃO, RESULTA NUM NOVO SER. EU ESTAVA ERRADO. O ABORTO, PARA ALGUNS, ESTÁ EM VOTAÇÃO.

Foram os próprios ministros contrários à ação de inconstitucionalidade a citar, de forma reiterada, a questão do aborto, lembrando, de forma clara, as muitas divergências sobre o início da vida.” (destaques do autor – original aqui)

Sim, Reinaldo, você estava errado. Muito errado. Errado em querer dar lições em bispos que lidam com a questão há muito tempo. Errado em querer ridiculamente domar o pensamento de Mayana Zatz. Errado em deixar tua lógica de lado para, sabe-se lá por qual motivo, aderir a um pensamento que tenta retirar do momento da concepção o início da vida, vida esta que deve ser protegida. E errado principalmente porque, sendo católico, deixou de dar ouvidos a quem tem autoridade sobre questões de Fé e de Moral:

“60. Alguns tentam justificar o aborto, defendendo que o fruto da concepção, pelo menos até um certo número de dias, não pode ainda ser considerado uma vida humana pessoal. Na realidade, porém, « a partir do momento em que o óvulo é fecundado, inaugura-se uma nova vida que não é a do pai nem a da mãe, mas sim a de um novo ser humano que se desenvolve por conta própria. Nunca mais se tornaria humana, se não o fosse já desde então. A esta evidência de sempre (…) a ciência genética moderna fornece preciosas confirmações. Demonstrou que, desde o primeiro instante, se encontra fixado o programa daquilo que será este ser vivo: uma pessoa, esta pessoa individual, com as suas notas características já bem determinadas. Desde a fecundação, tem início a aventura de uma vida humana, cujas grandes capacidades, já presentes cada uma delas, apenas exigem tempo para se organizar e encontrar prontas a agir ». Não podendo a presença de uma alma espiritual ser assinalada através da observação de qualquer dado experimental, são as próprias conclusões da ciência sobre o embrião humano a fornecer « uma indicação valiosa para discernir racionalmente uma presença pessoal já a partir desta primeira aparição de uma vida humana: como poderia um indivíduo humano não ser uma pessoa humana? »” (Papa João Paulo II – Encíclica Evangelium Vitae – destaques meus)

Entendeu, Reinaldo?

ATUALIZAÇÃO: Como deixa claro Jorge Ferraz no seu excelente blog “Deus lo vult!”, Reinaldo Azevedo escreve sobre o que não sabe e do que nem procura saber até mesmo em relação a assuntos delicadíssimos para a Igreja. Sua abordagem de assuntos disciplinares da Igreja é a mesma em relação à defesa da vida: desastrosa.

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